sexta-feira, 22 de fevereiro de 2019

A realidade não tem que ser inimiga da auto-estima


Mais uma vez Toni Nadal. Não me canso deste exemplo nem desta forma de pensar. Essencialmente, porque faz reflectir sobre as coisas que parecem estar instituídas, como verdades absolutas, na sociedade contemporânea.

Numa sociedade em que a palavra "não" parece estar proibida para pais e educadores, o desporto, ou algumas pessoas nele inseridas, parecem ser a excepção. A questão é: em que ponto da nossa “evolução” é que o “não” é mais nefasto para a aprendizagem do que o “sim”?

Tudo tem que ser positivo para não melindrar e fazer com que as crianças e jovens acreditem que são muito bons (ainda que isso contrarie a realidade) e que estão repletos de dons inatos e virtudes (são perfeitos). A realidade é que somos (felizmente) seres constantemente imperfeitos - o aborrecimento que seria o contrário!

Como é que se ensina alguém perfeito? Que vantagem é que tem essa noção de que somos perfeitos, aos olhos de quem nos rodeia, para o processo de aprendizagem? Não será melhor termos a noção de que "não somos bons o suficiente", para que desde esse ponto de vista seja desafiante a tentativa de melhorar?

Viverá a auto-estima da constante lembrança do quão bons somos? Parece-me que há um paralelismo entre uma má alimentação e a "auto-estima" (na forma como é normalmente tratada e percebida). A verdade é que alimentamos muito mal a nossa auto-estima, temos que entender que ela que só é verdadeiramente fortalecida na aprendizagem e na noção de que há sempre algo a melhorar - processos que vivem de experiências, que por sua vez têm consequências. Dizerem-nos que somos melhores que os outros, que merecemos jogar mais (para dar um dos muitos exemplos) coloca pressão para provarmos que realmente somos isso que nos dizem (muitas vezes só para nos “animar”). O que acontece é que mais tarde ou mais cedo a realidade nos pode mostrar que não somos capazes de cumprir com essas expectativas. Muitas vezes o que sucede é:

- os miúdos “mudam a/de realidade”, para uma que lhes permita provar que são bons como toda a gente lhes diz - isto implica empobrecer os contextos de forma a que só lhes sejam apresentados problemas fáceis de resolver, para não correr riscos de fracassarem;
- constantemente arranjam desculpas para o fracasso e assim mantêm a sua “reputação” intacta;
- passam a entender que quem os rodeia não está ali para “espicaçar” a aprendizagem e apercebem-se/sentem então que vivem num lugar onde toda a gente é responsável por tentar fazê-los felizes – que mensagem é que isto passa?

Transmitir-lhes valores e guiá-los? Claro que sim! Mas no final de contas eles terão que sentir que essa busca pela felicidade é um caminho pessoal e que terá que ser construído por eles, com fracassos e frustrações que eles terão que aprender a ultrapassar. Se os desafios/as experiências são o caminho para aprender, o fracasso é apenas a consequência que decorre do tentar, é um "mal" necessário para nos tornarmos melhores, nada mais. Assim entendido este processo torna-se muito mais aliciante, especialmente se também houver a possibilidade se falhar.

A realidade é que somos "imperfeitos", aceitemos isso com naturalidade e almejemos melhorar.

a) Intervenção de Toni Nadal no Congresso "Lo Que De Verdad Importa" organizado em conjunto pela Fundação LQDVI e pela Fundação Telefónica. Madrid 30 de Novembro de 2012;

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