sexta-feira, 29 de março de 2019

A renovação/contratação não pode depender de uma boa exibição


Guardiola sobre o que justifica a extensão do contrato dos jogadores.

Há dois dias reflectimos aqui sobre o que pesa na hora de recrutar "miúdos" para um clube, através das palavras de Pat Fitzgeral (aqui).

Hoje o tema é a renovação de contrato de Leroy Sané e o que será importante na hora de abordar o jogador para o fazer. Não vamos esconder que tudo isto é visto como um grande negócio e que não renovar com um jogador pode implicar perda de dinheiro, devido ao risco que se corre, a cada ano que passa, com aproximação do final do contracto. A mesma lógica (clubes que não querem arriscar perder bons negócios) tem levado também a que se paguem valores exorbitantes por jogadores, baseado naquilo que é o seu potencial (e todo o risco que isto acarreta). Esta inflação surge muito por culpa de negócios como o do Cristiano Ronaldo do Sporting para o Man. United, hoje em dia ninguém quer desbaratar. Ao mesmo tempo, os clubes grandes cada vez menos querem arriscar perder oportunidades de segurar determinado jogador da formação e acabamos por ter empresários e até os próprios jogadores com poder para interferir na gestão dos clubes e gerar-se um clima de de quase ameaça do género: “se vocês não quiserem temos ali aquele rival que está disposto a chegar a esses valores” - é o mercado. Clubes grandes não entram neste tipo de cedências, ou não deviam. Deveriam sim, tentar antecipar-se a toda a gente de forma a contratar/renovar/assinar primeiro contracto pelo valor justo em função de um potencial, que não é algo concreto tendo em conta a complexidade do desenvolvimento e formação dos jogadores. A pressa dos jogadores quererem aparecer ou as tremendas injustiças como a de jogadores com grande potencial que não se lhes é dada uma oportunidade ou de bons jogadores sem melhoria das suas condições salariais, levou a este clima em que tantas vezes as renovações/aposta (ou não) na formação são autênticas guerras. É como que se os valores humanos estivessem a ser determinados pelos valores financeiros.

Avançando para aquilo que é fundamental na perspectiva do treinador, parece haver outras coisas essenciais que devem orientar a decisão de prolongar a estadia de um jogador no clube e de lhe melhorar as condições salariais. E não é que Guardiola, como tantos outros treinadores, é da opinião que é tão essencial a qualidade como o carácter (o "ser humano"/a pessoa “por detrás” do jogador, não não são máquinas e antes de serem jogadores são mesmo pessoas).

Como é óbvio, não estranhamos nada que o Guardiola e outros se refiram tantas e tantas vezes ao facto de ser essencial tanto a qualidade para jogar como a personalidade/mentalidade/carácter de um jogador, que é uma pessoa. Não se pode nem se deve dissociar as duas coisas. É precisamente um dos motivos pelos quais criamos este espaço de partilha, para ligarmos estas duas faces da mesma moeda e que nos parecem ser tantas vezes esquecidas. Claramente quem está dentro do processo e convive com os jogadores diariamente sabe que a qualidade e o potencial podem ser comprometidos sem um bom lado humano. E ser um "bom ser humano" sem qualidade no jogo também não serve de nada, para uma equipa de futebol que se propõe a jogar um tipo de jogo complexo e a ganhar. Aliás o potencial do jogador não é nada sem um contexto e por isso o contexto aumenta ou diminui o potencial do jogador, até o domínio da língua pode ter um papel fundamental na evolução do jogador (lá está isto não é jogo, mas pode ajudar a melhorar a qualidade do jogo), referimos a língua como poderíamos referir outros aspectos culturais do país ou os princípios de jogo da equipa, etc..

A sociedade e o futebol, sendo um fenómeno nela inserido, necessitam muito da ajuda dos pais para criar/descobrir as paixões e também para formar "bons seres humanos" (ser bom ser humano, como aqui tentamos retratar não é sinónimo de ser bom para os outros, digamos também é, mas há muito mais para além disso).

Todas estas questões relacionadas com a atitude influenciam as qualidades e a qualidade de ser futebolista (ou outra coisa). Não temos dúvida absolutamente nenhuma disso, nenhuma.


a) Conferência de imprensa (pré-jogo) de Guardiola ao serviço do Manchester City FC - Premier League 2018/2019

quarta-feira, 27 de março de 2019

"Avaliação aos pais" na hora de recrutar um jogador


Avaliar os pais para recrutar jogadores?! Absurdo ou consequência da falta de autonomia?

Pat Fitzgerald (treinador da equipa de futebol americano da Northwestern University) acerca de questões importantes na hora de oferecer uma bolsa universitária a quem tem capacidade para integrar a sua equipa para competir na Liga Universitária de Futebol Americano (de onde saem, todos os anos, jogadores que "alimentam" as equipas da NFL-Liga Profissional).

Não interessa muito, para entender o tema, se sabemos algo sobre Futebol Americano ou não.

Tudo o que identificamos, no vídeo e nas palavras deste treinador, facilmente poderia ter sido dito por um qualquer Coordenador técnico da Formação de um clube de futebol em Portugal, ou até por um Chefe de Departamento de Scout (da formação ou do futebol profissional).

Que importância se atribui à mentalidade/personalidade de um miudo/jovem/profissional na hora de recrutar/contratar? É que aqui também se vê se vale tudo para ganhar. Queremos ter os melhores mesmo que os seus valores e as suas escolhas sociais vão contra os valores do clube e do que é o respeito pelos outros? O futebol é colectivo, portanto é um contexto onde o individual enquanto parte duma equipa cria/ajuda a criar, com maior ou menor preponderância (dependendo do seu lugar na hierarquia do grupo) uma cultura de valores nessa mesma equipa.

O crescimento, a aprendizagem, o compromisso, a capacidade de transcender o seu potencial, o conceito de "margem de progressão", tudo isto irá ser claramente influenciado pela mentalidade de quem treina, porque o treinador guia, mas quem se treina é cada um dos jogadores, o treinador procura facilitar/inspirar/instigar a aprendizagem, mas quem aprende é o jogador.

Até aqui parece que tudo está claro e sempre foi assim, o concretizar do potencial depende não só do talento, mas também da capacidade que temos para atingir o máximo desse talento com regularidade e durante muito tempo e até transcendê-lo.

Mas há outra questão que se levanta desde que, há uns 15 anos (mais ou menos), se começou a acentuar/promover a falta de autonomia das crianças pela desmesurada protecção (em muitos casos) por parte dos pais, a desresponsabilização dos mais jovens (de toda a gente no fundo, porque há sempre alguém a quem culpar). Isto tudo se nota na forma como hoje os pais querem interferir em todos os contextos onde os filhos estão inseridos, de forma a dar-lhes maior conforto, resolvendo até os problemas sociais por eles. Que repercussões concretas é que isto tem? São mais os benefícios ou as perdas em termos da personalidade/mentalidade das crianças?

A responsabilidade da “não aprendizagem” é exclusiva dos professores que não gostam de determinado aluno, a responsabilidade do miúdo não evoluir é do treinador. Mas alguém tem necessidade de melhorar sabendo que a responsabilidade do seu fracasso está noutra pessoa e não nela própria? Em casa, qualquer palavra dita pelos pais tem tal interferência que os seus filhos a entranham e sentem nela uma linha orientadora para agirem na escola/nos treinos/na vida de acordo com o que ouviram. É (também) aqui que se vê a falta de autonomia, a falta de um sentimento próprio, a falta dos miúdos se conhecerem e terem uma consciência de si próprios, sentido-se parte do processo de aprendizagem que lhes permite conhecerem o que os rodeia e a eles mesmos de forma a poderem interagir de uma forma única e que pode ser melhorada a cada dia. Sentir que aprender depende deles, ainda que busquem inspiração nos outros – professores, pais, sociedade no geral, que deve que ter esta preocupação de inspirar a aprendizagem e responsabilizar.

Por tudo isto, fará todo o sentido que os clubes tenham em conta os pais, a mentalidade, o talento, etc. na hora de recrutar, porque antes de serem jogadores são pessoas e isso importa muito.


a) conferência de imprensa de Pat Fitzgerald ao serviço da Northwestern University, aquando do “Signing Day” 2016 – retirada da conta oficial do youtube “Northwestern Athletics”

segunda-feira, 25 de março de 2019

Afinal, quanto tempo é necessário para construir uma EQUIPA?


Guardiola fala sobre o que mais importa e sobre o tempo que não existe para se construir precisamente isso que mais importa, que é criar uma forma de jogar de acordo com a ideia do treinador e percebendo o que cada jogador pode dar e como poderá ser útil, dando vida à ideia e ao jogo. Costinha confirma a necessidade de tempo para que se mudem mentalidades e se mudem hábitos.

Várias coisas para reflectir sobre este tema levantado por Guardiola e Costinha, por exemplo:

- a necessidade de se formar desde cedo para que ter a bola e “manejá-la” desde trás não seja um desconforto, isto para que a passagem de um sector para o outro por dentro ou por fora não seja uma forma arriscada de deixar para trás as várias linhas do adversário. Formar para um jogo posicional que permita que quem recebe a bola o possa fazer de forma ameaçadora para a estrutura adversária e sem perda de segurança. Pode-se formar também para combater um jogo mais directo e onde se pretende ser agressivo com a intenção de ganhar as segundas bolas jogando atacando rápido a baliza a partir daí. Formar para que os jogadores "mais débeis", no choque, consigam jogar e ser úteis numa equipa que se propõe contrariar esse tipo de jogo, levando-o mais vezes para o jogo que lhes convém.

Porquê esta necessidade? Para que seja um hábito e não seja preciso aquele tempo todo de adaptação de que o Costinha fala, e que passa por mudar hábitos tendo que convencer ou passar por um processo de algum desconforto em campo, para que, passado esse tempo, o jogador se deixe guiar e aprenda a sentir-se confortável com os novos hábitos que se pretendem criar na equipa, neste caso com o Costinha como treinador.

- "ou ganhas ou despedem-te" Pep Guardiola. Quem é que não sabe disto? Até na formação... ganhar é o mais importante na hora de avaliar a qualidade do treinador. A revolta do Guardiola, e de treinadores que estão no futebol há muito tempo, parece ter sido silenciada pela resignação perante esta mentalidade e pela necessidade de procurar outras coisas que sintam ser capazes de controlar melhor, e que tem a ver com a criação de uma forma de jogar, baseada no seu entendimento/sentimento, mas procurando ajustar a algumas características que os jogadores têm e que são aquilo que dá fluidez e imprevisibilidade ao "seu" jogo.

Seria bom ter tempo? Claro que sim, porque mesmo sem se ganhar um título saberíamos que, se a cultura fosse de ver as coisas a longo prazo, haveria muito menos crises na derrota (de pais, de dirigentes, de adeptos...) e isso permitiria que as pessoas se focassem no crescimento da equipa e dos jogadores no sentido de melhorarem a forma como se joga. Todos se sentiriam responsáveis por isso e não só o treinador. Aliás, treinador e jogadores, que ninguém retire a grande importância/responsabilidade dos jogadores no que toca ao jogo que a equipa joga, nem no mérito nem no fracasso. Tony Kroos disse, aquando da saída de Lopetegui do Real Madrid que “é um sinal de fracasso para os jogadores quando o treinador é despedido”. São interpretações e formas de estar no futebol, mas sem dúvida que toda a gente se enriqueceria numa cultura onde há tempo para se construir uma EQUIPA e onde todos sentem a responsabilidade das melhorias e dos fracassos.

Sabendo que não há tempo, o treinador vive num dilema. Para nós, tendo em conta que perder é sempre uma hipótese, o melhor é agarrarmo-nos ao jogo e ao crescimento dos jogadores.


a) entrevista de Guardiola à ESPN Brasil em 2017
b) Conferência de Costinha, enquanto treinador do Nacional – pré-jogo, Primeira Liga Portuguesa 2018/2019 (CDNacionalTV canal do youtube)

quinta-feira, 21 de março de 2019

Respeitar o presente da equipa/dos jogadores com o futuro no horizonte


Já muito aqui se falou da necessidade de uma Ideia de Jogo por parte do treinador que, resumidamente, é um conjunto de princípios (orientadores) de jogo, absolutamente fundamentais para sustentar e dar um sentido a todas as dinâmicas, todas as decisões e toda a expressividade individual dos jogadores. São no fundo os pilares com os quais o treinador acredita estar mais perto de controlar, dominar e ganhar o jogo.

O treino tem sempre como propósito construir uma EQUIPA, no sentido de gerar interacções cada vez mais coerentes, fluídas e que dêem espaço para que cada jogador se possa expressar em campo de acordo com o seu potencial. Mesmo que não houvesse treinador a equipa iria sempre crescer qualquer coisa com o facto de jogar junta, o entrosamento iria ser cada vez maior e iria gerar-se ali uma auto-organização e uma cultura própria. Por exemplo, se o Guarda-redes (independentemente do potencial para fazer diferente) nunca tivesse tido referências de sair curto em segurança o mais provável é que não se sentisse confortável em fazê-lo mesmo com algum espaço para e por isso a saída iria sempre ser longa a não ser que os Centrais insistissem com ele ou o contrário ele querer e os DCs. ou Laterais insistirem para meter no Ponta, mas e se o Ponta não conseguisse sequer promover a segunda bola?

Talvez tenha sido daqui que se tenha pensado: "E se nomeássemos alguém para orientar isto? Para dar um sentido comum a todos?" Mas, como é óbvio, a necessidade de haver treinador não surgiu com a intenção de subtrair potencial aos jogadores, nenhum treinador que entenda o jogo quererá que isso aconteça, por mais que não seja, porque sabe que isso o afastará de triunfar. O que preenche verdadeiramente muitos treinadores é chegar a todos os jogadores do plantel e ajudá-los a crescer e a perceber/senitr que a sua evolução individual depende muito dos companheiros que os rodeiam – isto tem que ver com os tais princípios que promovem a interacção de determinada forma específica.

Queremos com isto chegar ao ponto em que o treinador que fecha todas a possibilidades do jogo na sua ideia, não está a respeitar o conceito de "Princípios". "Se são princípios é porque não são fins" (Professor Vítor Frade) e não sendo "fins" não são fechados, simplesmente procuram orientar e este orientar não é limitar, bem pelo contrário, é ampliar as possibilidades de cada jogador poder antecipar aquilo que mais ou menos poderá acontecer, pois há referenciais que permitem isso e, num jogo onde os jogadores têm que decidir em fracções de segundo, ter esta ajuda (sim estamos para ajudar) é claramente uma mais valia e eles próprios sentem isso.

Precisamente porque o treinador não limita as possibilidades do jogar da equipa aos grandes princípios, é que Guardiola dá imenso espaço para também ele se “deixar guiar” pelos seus jogadores, pelas suas qualidades e pela sua qualidade, pelo que vai aferindo no dia-a-dia. Assim, tendo Busquets, Xavi, Iniesta e Fabregas decidiu que poderia muito bem jogar num 3-4-3 de forma o poder tê-los a todos em campo e assim estar mais perto de controlar o jogo tal como o entende e como a sua equipa estava preparada para o jogar, porque isto influencia muito.

Aquilo que orienta as decisões/escolhas do treinador, tanto em termos de exercícios, como do que irá ser a semana em termos aquisitivos/recuperação e até a convocatória, o onze titular e as próprias substituições é: a sua concepção de jogo que dá uma lógica a longo prazo ao processo, é o potencial dos jogadores para crescerem nesse mesmo processo, é o adversário, é aquilo em que a partida se tornou e a necessidade de dar continuidade ou de recuperar o controlo, etc., mas também é aquilo que a equipa faz no presente e que lhe garante a possibilidade ou não de controlar/dominar o jogo, ou seja, “nós queremos caminhar neste sentido e estamos a tentar evoluir os jogadores desta forma para lhes dar mais condições para que esta identidade seja cada vez mais coerente e sem ‘dúvidas’, mas tendo em conta o que somos enquanto equipa HOJE, com que jogadores (não esquecendo os seus estados de espírito) estaremos mais perto de o fazer neste momento?”

Consideramos ser esta uma das questões mais difíceis de responder, porque se trata de avaliar constantemente e de decidir em função dos jogadores e daquilo que juntos (jogadores e treinador) fomos capazes de construir até ao “aqui e agora”, porque isso é o que somos (não somos no passado nem o futuro, somos o que somos) Conciliar isto com a importância de seguirmos o caminho que nos garanta melhorar... é esta a arte, a de misturar isto tudo e conseguir, a cada passo que a equipa vai dando (no sentido de construir uma identidade e um estilo “à prova de bala”), perceber aquilo que é necessário, em função do momento em que nos encontramos, para que os jogadores se sintam bem e consigam controlar e dominar da melhor forma possível o jogo (o próximo).

Esta sensibilidade foi a que fez o Guardiola avançar para o 3-4-3 percebendo que havia condições para o fazer sem perde de fluidez em todos os momentos e com ganhos de criatividade e de entrosamento entre todos. Noutros casos é o jogador de determinadas características e que ainda não tem o estatuto necessário e por isso mesmo, por causa desta mesma questão, o treinador sente que não será o momento, não há o mínimo de sustentabilidade do jogo da equipa para que ele possa ir e mesmo que a coisa não seja perfeita a equipa tem bases para suportar as suas debilidades.


a) programa da Sky Sports (vídeo retirado do canal do youtube “Sky Sports Football) emitido antes do início da época 2018/2019 (Agosto de 2018), entitulado “Premier League Launch 2018-2019”

quarta-feira, 20 de março de 2019

“Deixar-se guiar” como catalisador da aprendizagem! (Quique Setién sobre Aïssa Mandi)


Fala-se muito em "margem de progressão", foi um termo que caiu bem e como quase tudo o que cai bem e cola, rapidamente o conceito passou a ser vulgarmente relacionado, de forma linear pela exclusividade do seu uso, com a idade. Não ignoramos a plasticidade do nosso cérebro/corpo que é inversa à idade e por isso à medida que os anos passam a capacidade de nos moldarmos em função da informação que nos rodeia e de incorporá-la vai diminuindo.

Ora dito isto, não deixa de ser também verdade que, em função da nossa mentalidade, poderemos ter maior predisposição para nos “deixar-mos guiar”, no sentido de tentarmos aprender sempre qualquer coisa, principalmente, de alguém que poderá acrescentar-nos algo. Ainda mais se tivermos em conta que a função dessa pessoa (desse “alguém”) é também a de orientar as "ideias" que cada jogador tem na cabeça, através de referenciais colectivos, de maneira a que se chegue a uma forma de jogar comum, falamos do treinador, como é óbvio, ainda que esteja longe de ser da sua exclusiva responsabilidade o processo de aprendizagem.

Quanto ao estarmos receptivos a perceber (ou pelo menos, tentar) o que se pretende de nós dentro de determinada organização/equipa, não sabemos se será a humildade (como se costuma dizer) aquilo que nos permite ir melhorando a cada experiência, a cada informação que nos é transmitida, sabemos sim que é necessária uma vontade enorme de ser melhor e que treinando no limite e de mente aberta para a ideia de quem lidera se estará sempre mais perto de melhorar.

Vivemos num tempo onde este “deixar-se guiar pelo treinador” parece que é "dar parte fraca", que é como que um "abdicar daquilo que eu sou enquanto jogador", que é “prescindir da minha criatividade” (não se deve confundir ser criativo com “ser diferente só porque sim”), mas entendemos isso de outra maneira, deixarmo-nos treinar por alguém que pretende ligar-nos ao que nos rodeia, fazendo com que os jogadores interajam segundo princípios comuns, é sinal de inteligência e requer uma predisposição para sentir e/ou entender a ideia, para que a possa executar como tendo sido criada por si próprio, e no fundo é mesmo, porque depois de a entendermos e incorporarmos introduzimos a nossa criatividade que acrescenta sempre muito àquilo que absorvemos . Ora, isto requer alerta constante de cada célula do nosso corpo a cada exercício e uma receptividade enorme (tal como Quique Sétien refere que Mandi tem).

Falamos muito destas questões da mentalidade aqui, porque sabemos que isto depende muito daquilo que no treino não se pode controlar tanto, que é a educação. Entendemos que a educação deve ser orientada para que as pessoas vivam no sentido de se melhorar naquilo que as apaixona e ao qual decidiram dedicar a sua vida (ou vários anos dela), seja no futebol ou noutra coisa.

Grande exemplo de Aïssa Mandi, que pode servir de inspiração para termos gente mais comprometida com a aprendizagem e com o sentido de se melhorar, fazendo-o por si (em primeiro lugar), mas sempre com a consciência de que isso irá ser uma grande ajuda para quem joga ao seu lado.

Que sentido terá a nossa vida se não a aproveitarmos para, fazendo aquilo que nos apaixona, nos melhorarmos a cada dia? Não olhemos à idade (ainda que a carreira de jogador tenha um "prazo" mais curto), o que necessitamos é de uma "mentalidade progressiva" virada para a aprendizagem, e isto tem pouco que ver com as "margens de progressão" lineares, baseadas na data de nascimento.


a) visita de Quique Setién ao Campo de Verão (2018) da Academia do Real Racing Club

segunda-feira, 18 de março de 2019

Guardiola e o "exemplo" Vincent Kompany


O que Vincent Kompany representa para a equipa e para Guardiola enquanto treinador.

Falar sobre jogadores exige que se veja além do que fazem no dia do jogo e/ou com a bola por perto. O Futebol, por não ser individual, vai muito além daquilo que um jogador faz por si só e do que faz para seu próprio benefício. Se o futebol assim fosse reduzido ao isolamento individual, e percebendo todas as lesões pelas quais passou, todas as dificuldades que um jogador com mais de 30 anos teria em se adaptar e essencialmente em deixar-se guiar para uma nova ideia de jogo, na qual se nota todo o desconforto que lhe causa, então, Kompany teria menos hipóteses de ser equacionado para ficar no plantel do Manchester City. Não nos esquecemos de todas as dificuldades que demonstra com bola na criação de espaço desde trás ("construção"), principalmente contra equipas que pressionam alto, super agressivas e que dão muito pouco espaço ao City para jogar desde trás em segurança (como o Liverpool, contra o qual o Vincent foi titular na eliminatória da Liga dos Campeões 2017/2018).

Isto deveria ser entendido por toda a gente que está "fora" da equipa, mas que, estando tão perto dos intervenientes, tem influência e pode contribuir para que os jogadores entendam que este exemplo, que é o Vincent Kompany, deveria ser algo mais frequente no futebol.

Apesar das dificuldades em dar segurança com bola o que se notou também foi que, desde a primeira época de Guardiola no City (3º Lugar na PL), quando o Capitão jogava, o central ao seu lado (Otamendi, mais vezes) jogava muito melhor: com mais à vontade com a bola, menos entradas de rompante que geralmente ou custam amarelo ou perda de duelos (1v1), mais serenidade na área a defender, etc..

Ora, isto de tornar os outros melhores pelo que se joga tem muito valor (claro que tem que se ser muito bom), mas há quem, pelo carácter, consiga ter uma enorme influência sobre os restantes colegas, nada disto pode ser ignorado num jogo colectivo. Ser um exemplo de compromisso é algo de uma importância enorme num jogador de futebol. Gostamos de olhar para o talento como a capacidade exclusiva dos jogadores resolverem problemas de forma individual, mas então aquele jogador que tem a capacidade de melhorar os outros com a sua presença, por tudo aquilo que ele representa, não será tão importante como aquele que é capaz de "rasgos" individuais? Não será que, de certa forma, esta mentalidade acaba por dar uma estabilidade para todos os outros e permite que se transcendam? Acreditámos que sim, especialmente quando vem de alguém que é um exemplo na postura e na vontade de aprender – é só ver como aos 32 continua a evoluir dentro de um estilo que, como já referimos, tantas vezes o deixou desconfortável.

É sem dúvida o jogador mais respeitado (é o capitão) e os outros verem-no dar o melhor de si quando joga “apenas” 5 minutos ou num jogo da Taça da Liga contra uma equipa do 3º escalão Inglês... "como se fosse a final da Liga dos Campeões"... Isto é muito mais importante para os colegas do que para a liderança do treinador, no sentido que eleva a fasquia da intensidade e do compromisso dentro da Equipa.


a) Conferência de imprensa (pós-jogo) de Guardiola ao serviço do Manchester City FC – Carabao Cup 2018/2019

sexta-feira, 15 de março de 2019

A “Ordem” Necessária para Ser Criativo (Pepe Sanchez)


Sobre um contexto que na base seja repetitivo, no sentido em que tem princípios de interacção orientadores, o que facilita a manifestação da criatividade.

Não devemos permitir que a criatividade seja fruto exclusivo do acaso ou que a genialidade dependa da anarquia e da aleatoriedade genética/contextual. A criatividade precisa de liberdade, mas não de anarquia, necessita de uma ordem onde determinadas coisas sejam previsíveis e que se repitam no tempo muitas vezes, para que, depois de lidarmos com essas regras como lidamos com a respiração, possamos criar e inventar.

Essencialmente, a liberdade de que precisa é a de errar. Ken Robinson refere que “errar não é o mesmo que ser criativo, mas se queremos ser criativos temos que estar preparados para errar”. Ora, a criatividade terá muito que ver com a relação entre o “lidar com a ordem”, aquilo que se repete (princípios de interacção) e o lidar com a possibilidade de errar na tentativa de criar soluções (não servirá só para jogadores, mas também para treinadores, no fundo para a vida humana no geral).

É mais propício ser-se criativo em contextos onde se pode antecipar, porque quando tens que te adaptar constantemente à novidade e a referências diferentes a cada instante, então a antecipação fica comprometida, pois perdes tempo a descobrir o que estará por detrás do que irá suceder a seguir e por isso dificilmente irás criar algo a partir do vazio. A criatividade necessita dessa estabilidade, dessa constância de determinados princípios de interacção, para que se possa manifestar diversa e dinâmica criando soluções para problemas novos de forma eficiente, eficaz e até surpreendente.

Exercícios novos a cada dia (sem nenhuma conexão com o passado), desviam a concentração para as regras, para o lado estrutural (menos importante) e retiram-te tempo para inventares.

Se um jogador mudasse de equipa constantemente, aconteceria algo parecido, sem entrosamento entre todos e sem referenciais colectivos, onde movimentos, passes, olhares, toques, pé dominante, etc.. coisas que te permitem antecipar o que vai acontecer a seguir, sem isto, a criatividade fica comprometida - é um pouco isto que acontece numa Selecção Nacional.

Numa equipa onde cada jogador age em função de si, sem um "respeito" colectivo, sem interagir e decidir em função dos colegas... isto dificulta muito o aparecimentos da criatividade com sentido. Por isso são tão importantes os jogadores que se movimentam e recebem a bola já a pensar em dar espaço aos demais, promovendo assim uma criatividade colectiva.

Concluindo, necessitamos de uma ordem para antecipar, que de certa forma funciona como base para a criatividade. Inventamos a partir do nosso hábito de agir em determinado contexto previsível, que nós, criando soluções com o nosso saber (proveniente da repetição), tornamos imprevisível na capacidade de aí inovar quando sentimos necessário.


a) extracto do programa: “La pasión según Sacheri” con Pepe Sanchez - 29 de julho de 2018

quarta-feira, 13 de março de 2019

Guardiola: "A Condição Física não existe de forma isolada."


No seguimento do último "post" (aqui), onde Guardiola fala sobre o treino físico (para que a equipa se prepare para jogar), aprofundamos um pouco mais o tema.

Repetimos este tema, porque, no futebol, a condição física do jogador que não é fruto e/ou não está ligada a uma forma de jogar, do nosso ponto de vista, também não existe. Considerar isso é retirar deste jogo aquilo que é o essencial: a resolução de problemas segundo um referencial colectivo dado pela forma de jogar da equipa.

Até a recuperação é diferente em função da forma como se joga, porque recuperar está relacionado com o que fizemos e também é como que uma "preparação" para o que queremos voltar a fazer de forma a que o jogador (man)tenha o corpo e a mente "ágeis" para a exigência que é jogar de determinada forma. Não se trata de recuperar de/para correr, não é recuperar de/para jogar um futebol qualquer, recupera-se de/para jogar o "nosso futebol" e por isso é que a "condição física" não faz sentido (para nós) se for isolada da nossa organização enquanto equipa e do que fazemos/pretendemos fazer no dia-a-dia (com dia do jogo incluído).

Isto como que se "auto-justifica" a partir do momento em que a especificidade organizativa de uma equipa se concretiza através das decisões (com ou sem tempo para racionalizar) provenientes da mente e executadas pelos corpos dos jogadores.

Mente e corpo são um só e entendemos que devem ser treinados juntos para o mesmo, com todos os cuidados específicos que o táctico merece. E o táctico não se faz sem jogadores frescos, dos pés à cabeça, e com capacidade para jogar um futebol específico. Por isso se treina (adquirindo princípios) e se recupera (treinando) todos os dias, sendo que há uma prevalência de um sobre o outro (em função das necessidades).


a) Conferência de imprensa (pré-jogo) de Guardiola ao serviço do Manchester City FC - Premier League 2018/2019

segunda-feira, 11 de março de 2019

Guardiola e o “Treino Físico”


O que é a "melhor forma” de um jogador? O que se quererá dizer ou o que estará por detrás do facto uma equipa “não estar em forma"? Não conseguimos entender isto sem conexão com uma ideia de jogo/uma forma de jogar, entendemos a "forma" como a capacidade das equipas/os jogadores resolverem problemas e de se relacionarem de forma óptima dentro do campo, com todos orientados pelo o mesmo. Agora... se a ideia de jogo for correr mais do que os outros sem um sentido em termos de espaço/timing, de relações e do que fazer para criar problemas no adversário, então aí o treino e a "forma" terão necessariamente que ser entendidos de uma outra maneira.

Só para dar um exemplo:
- queremos uma equipa agressiva após a perda, porque identificamos que há sempre vantagens em recuperar a bola no meio campo ofensivo e atacar outra vez (apanhando assim o adversário naquele momento de se reposicionar para atacar), mas ao mesmo tempo “somos precipitados” com bola nessa zona e nunca damos tempo para que a nossa equipa "ande junta" e por isso estamos “partidos” e nunca temos gente perto da bola (no momento da perda), de forma a não dar tempo ao adversário de se (re)organizar e nos atacar. O problema aqui pode ser físico, porque realmente as distâncias que temos que correr para pressionar a bola são enormes ou então é táctico, porque está relacionado com uma incoerência entre a intenção da equipa e aquilo que faz no campo. Mudando a perspectiva, muda também a forma de resolver o problema e por isso muda o treino e o entendimento que temos do jogo e dos jogadores para o jogar.

Quando existe uma ideia de jogo complexa e que se deve manifestar fluída (sem incoerências), que necessita de ser criada, melhorada e mantida, então o tempo "escasseia" e a prioridade tem que ser "para onde movimentar?" e "quando?". A partir daqui, jogando estamos a adquirir tudo aquilo que necessitamos. Jogando e treinando nos limites, tendo respeito pelos corpos (com cérebro incluído) que temos diante de nós, para que a agilidade corporal e mental não se perca e assim possam estar frescos no dia mais importante - o dia do Jogo onde se deve manifestar o tal "pico de forma".

As palavras podem ser as mesmas, mas diferentes treinadores usam-nas com significados diferentes. "Intensidade", "ritmo", "recuperar a melhor forma", "pico de forma", etc., etc., etc.. A palavra pode ser a mesma, mas muda o conceito consoante a pessoa que a diz e a pessoa que a ouve. No que diz respeito a “picos de forma” o que se pretende, no nosso entender, é que em cada jogo haja um pico de forma da equipa e é por isso que, a cada semana, se prepara a equipa para melhorar/recuperar (em relação ao jogo anterior) só assim se poderão ter disponíveis os melhores jogadores no seu melhor momento em função até do próximo adversário. A questão que se debate é: fragmentar ou não a criação dum estilo, de uma identidade e de nuances estratégicas nas várias dimensões implicadas? Para nós não fará sentido. Para Guardiola também parece que não.



a) Conferência de imprensa de Guardiola ao serviço do Manchester City FC, pós-jogo contra o Chelsea FC, para a Community Shield 2018 (Super Taça de Inglaterra)

sexta-feira, 8 de março de 2019

A Decisão “Intuitiva”


A decisão não requer uma explicação prévia, por vezes nem sequer existe uma explicação “a posteriori” por parte de quem a tomou, o que é certo é que há jogadores que decidem melhor do que outros, mais vezes e aparentemente sem tempo.

"Decidir" requer um entendimento, que pode ser consciente ou não, sabendo ou não explicá-lo, o que é certo é que tem que existir, como uma ultra-sensibilidade para tudo aquilo que facilita o “jogar o jogo”. Tem que haver um “conhecimento” de quais são as qualidades e até os “defeitos” de quem joga ao meu lado, da circunstância, para a partir daí antecipar, perceber as prioridades e decidir. A questão é que isto está tudo a acontecer a uma velocidade enorme no jogo e não há tempo/espaço para ponderar os prós e os contras. É aqui que entram as emoções, são elas que nos “empurram” para determinada decisão. O jogador olha e vê opções (nem todos conseguem ver tudo e rápido) e de tudo aquilo que viu houve algo que lhe provocou uma emoção mais agradável do que o resto e então é esse o caminho que escolhe - muitas vezes o pânico de errar bloqueia opções ou até a sensibilidade para a limitações da concretização.

Não gosto muito do termo "tomada de decisão", porque, da forma como o conceito tem sido tratado ao longo do tempo, dá a ideia que o jogador tem imenso tempo para ponderar os prós e os contras de cada opção. Há quem teste a tomada de decisão com o jogador sentado em frente a um computador a ver uma jogada que pára a determinado momento, aí dão várias opções e o jogador escolhe uma. Previamente, quem realiza o teste estabelece uma hierarquia de qualidade das várias opções, e da comparação dessa hierarquia com a opção selecionada pela pessoa testada sai um resultado acerca da sua “tomada de decisão”.

Isto tem vários problemas associados:

1º - o tempo – no jogo não há esse tempo todo;
2º - as opções (de passe, por ex.) são condicionadas pelo meu conhecimento/entrosamento dos/com os meus colegas de equipa, entre outras coisas. No frame isola-se e tudo fica descontextualizado;
3º - por vezes, racionalizar todos os prós e contras prejudica a decisão (para além de a atrasar), mas no testes isto não é necessariamente uma desvantagem;
4º - (relacionado com o ponto anterior) - há jogadores que quanto mais pensam mais bloqueados ficam (não lhes sai nada).

Trata-se de treinar e repetir contextos/problemas, onde o treinador orienta para princípios e/ou soluções colectivas, e dentro desses princípios encontrar as melhores decisões para a equipa e para cada um. Essa é a única forma de "elevar" as decisões para o nível da "intuição", de forma a poupar tempo no jogo e a decidir bem em função da circunstância. Circunstâncias essas que incluem uma especificidade tão grande e tantas coisas, que se torna muito difícil de avaliar e de treinar a decisão e a resolução de problemas sem ser a jogar. Há o vídeo como forma de procurar aprender com o que se fez, mas em demasia pode bloquear as emoções (pela extrema racionalização) e retirar a espontaneidade que só se consegue a decidir muitas e sem tempo para “pensar”. Equilíbrio é importante entre o racionalizar e o sentir.

Mais do que “tomada”, a decisão é sentida, e tem muito de emocional à mistura, especialmente num ambiente onde o tempo para racionalizar é escasso.



a) extracto do programa: “La pasión según Sacheri” com Pepe Sanchez - 29 de julho de 2018

quarta-feira, 6 de março de 2019

Bernardo Silva – Quando a inteligência/mentalidade transformam tudo numa vantagem

A propósito do último “post” (aqui) onde Guardiola e Cruyff falam das necessidades e das vantagens que tem um jogador com um “físico mais frágil”, o Bernardo já proporcionou ao longo desta época inúmeros jogos que ilustram bem aquilo que na realidade significa o poder que a necessidade, quando associada à inteligência, tem de transformar uma aparente debilidade numa grande vantagem. Guardiola explica e Bernardo executa.


Esta capacidade do Bernardo só é possível de adquirir graças à mentalidade extraordinária que tem, de ser resiliente perante as adversidades e em contextos/experiências onde grande parte de nós se deixaria cair na frustração e na desculpa fácil. Há imensos jogadores que acabam por conseguir encontrar soluções para o “contacto físico”, mas julgam que o jogo está resolvido pela resolução dessa questão, mas o jogo é muito mais para além disso e é aqui que o Bernardo sobressai de todos os que tiveram que “provar que o fisíco não é o essencial” (claro que isto é desgastante, ver a descrença à nossa volta, mas é preciso ver para lá dela), é que ele vai mais além e quer aprender mais, não só a ultrapassar isso num contexto difícil como a Premier League, como a entender mais do jogo para lhe poder acrescentar dinâmica onde e em função do que for necessário.

Teve sucesso também no Mónaco com um treinador completamente diferente do Guardiola, em termos de estilo de jogo, portanto não depende só do treinador, mas também da mentalidade do jogador, em querer aprender de qualquer contexto, mesmo quando sentou no banco ou na bancada, durante anos na formação do Benfica. Se foi justo ou injusto não o posso dizer, talvez tenha sido por perder bolas nos duelos quando se dava ao contacto, abalroado nos treinos constantemente sem conseguir dar seguimento a nenhuma jogada, não sei mesmo, o que sei é que tudo o que viveu lhe serviu para ser melhor hoje. Felizmente não se agarrou à frustração de não jogar, e na época passada voltou a não fazê-lo, como o Guardiola disse: “jogou, mas não muitas vezes como titular.” (principalmente na primeira metade da época).



A expressão facial do Bernardo após o golo, onde ele teve que se implicar todo no contacto com o defesa do Fulham, para aproveitar (no momento certo) o desequilíbrio do adversário e assim ganhar espaço extra para ficar de frente e poder servir o Aguero no centro da área, diz muito... Isto exige sacrifício/treino diário e muito fracasso. Para além da inteligência e daquilo a que vulgarmente chamamos “talento” é necessário o TALENTO TOTAL (ver post).

Não se trata de inverter o preconceito para algo deste género: “os grandes não servem, os pequeninos é que são bons”. O que se deve procurar é acabar com o preconceito que existe, aquele do talento das medidas físicas (ou até o das medidas técnicas) e medir o talento pelo jogo todo e pela mentalidade que alimenta esse mesmo talento, que é o verdadeiro potencial.

O Bernardo não está mais forte (no sentido físico do termo), o que ele conseguiu foi perceber como usar o corpo e as qualidades que tem no momento certo para tirar vantagem do desequilíbrio/instabilidade corporal do adversário. Como poderão ver no vídeo, é humano e nem sempre consegue ter a eficácia que quer.


O essencial é que cada jogador se conheça e perceba como pode solucionar os problemas. O treino deve ser isso, uma descoberta do jogo, da equipa, dos colegas e do seu próprio corpo para resolver os problemas que o jogo coloca. Depois, é treinar, perceber que uns precisam de mais tempo para chegar a essa capacidade intuitiva de, por exemplo, perceber que o adversário está apenas com um pé no chão e por isso é o momento ideal para eu ter a minha hipótese de o desequilibrar com o meu corpo “frágil”. Milhares de pormenores que não se ensinam, mas para os quais se pode abrir a atenção, para que eles se possam orientar para a solução. Logo vem a realidade dura da queda, do ser abalroado muitas e muitas vezes e de ficar no banco, porque ainda não consegue ter eficácia.


Resta, entender a dificuldade como uma vantagem e lutar cada dia por se ser melhor. Nunca vi outra forma de um jogador/uma pessoa se transcender, é isto e acreditar que é possível.



a) conferência de imprensa de Pep Guardiola pós-jogo - Manchester City vs Fulham (Premier League 2018/2019)

b) jogo Manchester City vs Fulham (Premier League 2018/2019)

sexta-feira, 1 de março de 2019

O futebol (só) tem espaço para a inteligência


Guardiola e Cruyff sobre os jogadores "baixinhos" (ou "fracos fisicamente").

Antes do vídeo, “pensar alto” sobre algumas coisas, algo que não é novo... o que é novo é que o futebol é para quem pensa. Pois, na verdade isto também não é grande novidade, sempre foi, não sei é se havia (ou se há) essa consciência de que o futebol é mesmo algo que requer inteligência.

Já é mais do que sabido que a inteligência é específica (contextual), na medida em que está relacionada com um problema que requer que se recorra a determinadas “ferramentas” para a sua resolução. As “ferramentas”, no caso do futebol, são inúteis (por mais desenvolvidas que estejam) se não estão acompanhadas de um entendimento do jogo para que se possa ser eficiente e eficaz, a solucionar cada circunstância com a inteligência exigida, “circunstância” essa que têm espaço/tempo, bola (longe ou perto, comigo ou com outro, que até pode nem ser da minha equipa), adversários, zonas do campo (distância das balizas), colegas de equipa, emoções, adeptos, etc. (há sempre muitas mais coisas).

Tendo esta especificidade em conta, importa perceber que, sendo o futebol para todos, nem todos os tipos de futebol servem para todos da mesma maneira. Por isso é que, apesar de sentir muito maior afinidade por uma forma de controlar o jogo do que por outras, defendo sempre a diversidade de “jogares”. É isso que devemos preservar, essa percepção de que o diferente pode ser bom, ainda que não nos atraia o sentimento. Portanto, e para não perder o fio à meada, o contexto é de grande importância, porque o jogador só faz sentido quando entendido dentro de determinada equipa (uns adaptando-se melhor a coisas diferentes e outros com mais dificuldades em sair do habitat que conhecem e dominam).

O vídeo faz-nos reflectir como podem as dificuldades que se tem no "choque" com o adversário tornar-se numa vantagem, em vez de ser uma desvantagem como quase sempre se dá a entender. O aparente “déficit” pode muito bem transformar-se numa mais valia, tudo depende do "treinar para arranjar soluções" que se coordenem com as “ferramentas” que “eu” melhor domino. Importa "cair", magoar, sentir o desconforto de ser abalroado e começar a pensar (consciente ou intuitivamente) em soluções para resolver o problema. Só com uma grande alma será possível que um dia valha a pena (já dizia Fernando Pessoa).

Não faz qualquer sentido dizer que determinado jogador é bom pela quantidade enorme de km que fez num jogo, mas atenção, também não faz sentido dizer que quem joga bem não precisa de correr. Isto foi um erro que se estabeleceu para tentar contrariar uma lógica que vigora, mas deve-se tentar combater a mania da quantificação com mais entendimento do jogo e não com mais (ainda que diferente) quantificação. Porque os km são algo vazio de significado se não tiverem associada uma inteligência (um jogador), que saiba quando correr e para onde.

É nestas soluções que procuram combater as “desvantagens”, que se geram características diferentes para cada jogador e também níveis diferentes, porque nem todos solucionam o problema com a mesma eficiência/eficácia.