domingo, 28 de abril de 2019

Toni Nadal: "Nunca uma desculpa nos fez ganhar uma partida!"


No outro dia publicamos 👉 aqui um vídeo em que Sarri e Guardiola falavam da importância do foco estar naquilo que poderemos controlar, aquilo que depende da nossa equipa – "Melhorar o Desempenho" e vermos nas dificuldades uma oportunidade de nos superarmos.

Toni Nadal e o seu sobrinho, Rafael Nadal, são um exemplo de como a mentalidade certa nos permite alcançar ou até transcender o nosso potencial presente. Uma mentalidade que não se refugia na desculpa fácil, faz-nos sentir responsáveis pelas coisas boas que fazemos e mais importante e raro por aquilo em que não estivemos tão bem e que se repercute nos erros que cometemos. Perceber e aceitar isto com naturalidade e com o menor conflicto (interno/externo) possível é essencial para a evolução.

Importantíssimo lidar com esta responsabilidade desde o ponto de vista do desenvolvimento e não do ponto de vista da frustração (prolongada), algo que nos afunda na apatia e no "colocar de lado" algo pelo qual tivemos, em tempos, uma enorme paixão. Isto necessita de educação, não é fácil nem aleatório que se adquira esta predisposição para ser “alguém que assume a responsabilidade" de forma natural e positiva. Se não houver bons exemplos à nossa volta, ou seja, se não houver uma cultura onde o "fracasso" é uma oportunidade para melhorar e não uma oportunidade para arranjar desculpas que atenuem esse mesmo fracasso, então a formação fica comprometida.

Que auto-estima terá alguém que busca uma desculpa completamente irrelevante a cada obstáculo que encontra no caminho? E mais, o que tem uma criança a melhorar quando todos os erros são culpas do árbitro, do colega ou do treinador?

Relembramos que se trata de um jogo. Mas até tratando-se de uma doença a lamentação da desgraça, ou a procura de culpados para a nosso estado não traz a cura, pelo contrário. Assim como existe o "efeito placebo" que nos demonstra como a crença (por si só) de que algo é bom já produz uma melhoria, também existe o "efeito nocebo" cuja crença de que algo nos prejudica (por si só) já piora a nossa condição.

Por isso é tão importante não buscar culpados para o resultado. Procuremos aquilo que depende de nós, até porque "o que não tem remédio remediado está". A partir daí procuremos aquilo que pode ser solucionado e busquemos soluções que nos ajudem a resolver os problemas que nos são colocados (no futebol como na vida). É na busca das soluções, na busca daquilo que depende de nós que está o segredo para o desenvolvimento e o fundamental da formação/educação.


a) Conferencia de Toni Nadal: “Todo se puede entrenar”. Evento inserido nas celebrações do 110º aniversário do “Diario de León”. León, 2016

quinta-feira, 25 de abril de 2019

Bernardo pode não encher a camisola, mas enche o campo


Ontem o City, onde Bernardo Silva, David Silva e Gundogan constituiram o meio campo na 2ª Parte (comparar com Fabinho, Henderson e Wynaldum - Liverpool), chegou aos 157 golos nesta época, em todas as competições - recorde de sempre entre equipas da Premier League. Isto só prova que a visão de que impera no “futebol moderno” um “jogo físico” é uma visão muito redutora deste desporto. Claramente não há, nem nunca houve, uma só forma, nem um só tipo de jogadores, capaz de dominar o jogo, levando-o para o registo que mais nos caracteriza e favorece durante mais tempo nos 90 minutos. Será sempre uma questão de ter em campo inteligência/talento, ser coerente nas escolhas e naquilo que se treina para construir, muito além duma forma de jogar, uma cultura de jogo dentro da equipa... dentro do clube.


No final David Silva (sem marcar qualquer golo) foi eleito homem do jogo (absolutamente nada contra). Poderia muito bem ter sido o outro Silva, o Bernardo, aquele menino que entre os 14 e os 17 anos, por ser franzino e abalroado pelos que tinham mais força, pouco jogava. Aquele menino que deu a volta a uma situação aparentemente desvantajosa recorrendo ao domínio do seu corpo e dos timings/espaços para o usar, evitando assim o contacto quando isso o colocava em problemas. Aquele menino que teve que se desenrascar recorrendo à única coisa que não engana, o jogo, arranjando soluções dentro do mesmo para a tal “desvantagem”, porque claramente não foi pelo aumento muscular que resolveu o problema e para surpresa de muitos fê-lo treinando no limite, num treino onde o essencial era jogo.

O Bernardo fez mais um jogo que transcende o físico e exalta o jogo, porque enche o campo com aquilo que deveria ser essencial – o entender e saber jogar o jogo, pelos timings de ocupação dos melhores espaços (a defender e a atacar), pela forma como domina o seu corpo e o usa para tirar vantagem dos desequilíbrios momentâneos de jogadores com o dobro da sua massa muscular, com o dobro da sua força e da sua velocidade de deslocamento.

Este “encher o campo” não é o mesmo que “estar em todo o lado”, é antes um estar onde precisa de estar no momento certo para lá estar, quer quando joga por fora – extremo – como quando joga por dentro - médio.

Acho que o “futebol moderno” que criou o “reforço muscular” já teve mais que tempo de criar exercícios de “reforço de inteligência”, de “reforço de entendimento do jogo”, de “reforço do saber como tirar partido de situações onde o meu corpo (franzino) é aparentemente uma desvantagem”, mas parece que andamos distraídos com outras coisas que claramente não merecem nada o protagonismo todo que têm. O “reforço” essencial faz-se no treino jogando. Agora, se nos dizem que há jogadores que sentem necessidade de fazer outras coisas, porque valorizam e acreditam que é isso que os torna melhores, resta-nos dizer que sabemos dessa realidade.

<<Se achamos que o mais importante é o que eu programo (toda a parte burocrática e científica), estamos enganados, é mais importante que o jogador (estando em condições) acredite que o que faz no treino é o melhor para ele e então aí chega ao jogo no seu máximo potencial para ganhar.>> Lorenzo Bonaventura (elemento da equipa técnica de Guardiola, no Barcelona, no Bayern e agora no Man.City)

Temos perfeita noção do poder das crenças e já o referimos várias vezes aqui. Não é isso que nos preocupa, o que verdadeiramente nos preocupa é que no futebol os jogadores passem a atribuir maior importância ao físico do que ao jogo em si. Que se comece a ver jogadores dizer que foi o ginásio ou o treinar sozinho que me tornou um jogador que pode jogar na 1ª liga.


Por isso trazemos aqui o Bernardo (podíamos falar do David Silva, da mesma equipa, e de muitos outros), porque é um jogador que no seu todo (corpo/mente) tem o essencial do futebol e que contraria o “paradigma do atleta”. Isto é FUTEBOL, não se trata de “atletismo com bola”, e portanto o corpo para jogar o futebol do Guardiola ou o futebol do Paulo Fonseca não pode ser o mesmo corpo de alguém cuja ideia de jogo é algo semelhante a “atletismo com bola”.

Já sabemos que isto choca muita gente, mas o essencial é a ideia de jogo e o jogador, o resto é gente a querer o protagonismo que não deve ter, para o bem do futebol e de criar uma cultura que permite o florescimento de jogadores que realmente percebem o que é importante. Para que quando eles sintam dificuldades em entrar no “ritmo competitivo do jogo” percebam que provavelmente terão que entender melhor os timings do mesmo e que correr mais, mais rápido ou durante mais tempo provavelmente não lhes irá resolver o problema. E por isso tem que haver harmonia/conexão entre todas as dimensões.

Para as pessoas que rotulam isto de contraproducente, aconselho a falarem com alguns pais que, para que os filhos melhorem (no futebol) os põem a fazer abdominais e flexões com 7 anos e que vão fazer treino intervalado para os parques com miúdos de 9 anos.

Obrigado aos "Bernardos" que sabem que melhorar está no jogo, sejam eles grandes, pequenos com muita ou pouca massa muscular. O Bernardo sem saber criou um contexto onde depende de nós usarmos o seu exemplo para mudarmos o Paradigma do treino e do jogador, respeitando a possibilidade de surgirem jogadores como ele. Porque o objectivo não é encher a camisola, mas sim encher o campo.

quarta-feira, 24 de abril de 2019

Sai: “o Todo” Entra: “a Parte” - o caminho para a Paralisação


“Os pormenores fazem a diferença”, a verdade desta frase fez-nos ignorar a importância de tudo o que permite aos pormenores fazerem a diferença. É que fazem tanto mais a diferença quanto maior for a ligação entre eles e os princípios que sustentam o jogo da equipa. Ou seja, qualquer detalhe só faz sentido quando desenvolvido/sustentado numa base cheia de princípios colectivos que se prolonguem no tempo. A essência estará acima de tudo na coerência entre os tais pormenores e os pilares que os orientam.

O essencial não pode deixar de o ser, porque quando o acessório passa a ser o fundamental e o que é fundamental passa a ser relegado para um segundo plano, é aí que se perde aquilo que orienta as equipas. É verdade que tudo se pode melhorar, mas é importante perceber o que é prioritário. Além disso, vivemos numa época em que o tempo é valiosíssimo, pela “escassez” do mesmo, como se o crescer da informação aumentasse a nossa ânsia de fazer tudo. Das duas uma ou fazemos tudo à pressa ou não temos tempo para fazer nada. É aqui que entra o saber hierarquizar/priorizar, algo que nos dias que correm talvez seja das coisas que mais contribuem para o desenvolvimento da equipa e dos jogadores. Por isso mesmo nem tudo tem a mesma percentagem de importância e nem tudo deve ser tratado como se tivesse o mesmo valor.

Sobram exemplos desta inversão entre essencial-acessório. Não raras vezes vemos os princípios, que sustentam a forma de jogar e a dinâmica, serem colocados de lado, talvez por se pensar “isto já está consolidado” mas a verdade é que o “segredo” está na “repetição sistemática”. A recuperação deve assumir o papel fundamental e ainda mais nos períodos onde “não há tempo para treinar”, pelo acumular de jogos de 3 em 3 dias, aí ainda mais importante é a distinção entre o essencial e o acessório, dar exclusividade ao treino de detalhes menos relacionados e até opostos àquilo que é a forma de jogar da nossa equipa pode ser fatal, especialmente numa altura em que o dia do jogo é talvez o único dia verdadeiramente aquisitivo (numa dinâmica semanal de jogo 3 em 3 dias). O pormenor tem que ter sempre uma relação com o “pormaior”.

Percebe-se, à volta deste tema, uma necessidade que toda a gente tem em querer acrescentar o seu “grãozinho de areia” e fazer desses “grãzinhos” os protagonistas do processo, por vezes com o único propósito de reclamar para si o mérito quando chega a vitória. Tratam de pôr dentro do "saco” (equipa/jogador) aquilo que na área/perspectiva de cada um é importante. Entretanto encheu-se o “saco” de “tralhas”, e são “tralhas”, porque simplesmente não há nada que as ligue (ou mesmo que houvesse, investiu-se tanto tempo nisso que se descurou o que lhe dava sentido). Fica a equipa e o jogador cheio de pormenores sem uma base que os ligue e lhes dê sentido. Podem ser pormenores estratégicos, técnicos, físicos, etc. a questão a ser levantada é a pertinência de se incluir determinada coisa no treino em detrimento de outra? Que ligação tem isso com tudo o que temos feito? Que repercussões terá, na continuidade, o treinar pormenores incoerentes com a nossa cultura/identidade colectiva (hábitos/dinâmicas) e individual (corpo do jogador por exemplo)? É aqui que ganha extrema importância o hierarquizar/o priorizar, pensar naquilo que se deve incluir no treino tendo em conta o que nos tem orientado e perceber se incluir isto traz mais benefício ou prejuízo no médio prazo. Incoerência atrás de incoerência vai originar uma perda de fluidez na dinâmica da equipa, pela perda da sustentabilidade, pode não ser na semana seguinte porque uma incoerência até pode ser irrelevante, mas a bola de neve, se alimentada, irá continuar a crescer. Os princípios requerem manutenção semanal (desde que se respeite a recuperação que permite a aquisição dos mesmos), porque no fundo são aquilo que conecta os jogadores e a faz com que a equipa tenha vida própria.


A dinâmica da equipa está longe de ser uma redutora soma de pormenores, são princípios e sub-princípios de interacção que favorecem o aparecimento posterior dos pormenores coerentes... não temos dúvidas nenhumas que os detalhes vão acrescentar qualidade à dinâmica da equipa e que muita gente poderá ajudar a que a "parte" flua melhor no “todo” (assim se orientem por ele). Mas não deixa de ser um pormenor mesmo quando é aquilo que no final salta mais à vista por ser mais fácil de diferenciar. Nunca a parte existirá sem o todo, nem o todo sem as partes. Portanto que não se substitua um pelo outro. Os princípios sustentam-nos e os pormenores enriquecem-nos, assim haja coerência entre uns e outros.

segunda-feira, 22 de abril de 2019

Superar as dificuldades percebendo o que depende de nós


Facilmente o nosso inconsciente nos empurra para um "abismo das desculpas", é de certa forma uma reacção alérgica que se cria para nos proteger, mas no funda só acaba por nos prejudicar e impedir que se identifiquem e resolvam os verdadeiros problemas, só assim poderemos melhorar. Aquilo que parece atenuar a frustração da "perda", ou seja o atribuir a culpa a terceiros ou às vantagens prévias do adversário, e que muitas vezes é dito em voz alta como quem reclama por mais tempo no cargo ou no 11 titular (pois a culpa não é minha), por mais razão que tenhamos na atribuição dessa culpa a algo que está “fora” da nossa equipa ou do nosso desempenho no jogo, isto nunca deve tornar-se recorrente por uma razão simples: nada disto vai mudar só pelo facto de o assinalarmos e só nos faz perder o foco. Porque o vento não muda por falarmos disso, o calor é para todos, o árbitro não está no treino para o ensinarmos a apitar como achamos melhor e o facto da outra equipa ter mais tempo para recuperar não vai mudar por dizermos: “Pois é, estamos em desvantagem porque eles têm mais tempo para recuperar”.

Iremos sempre compreender a reacção durante o jogo de jogadores e treinadores (que passa em 5 segundos), mas chegar ao fim de cada jogo que nos corre mal e procurar algo externo que nos liberta da nossa responsabilidade... isto, na continuidade, só te torna pior, deixa-te sem rumo, sem direcção a seguir, porque a falta de noção da nossa responsabilidade impede-nos de melhorar aquilo que efectivamente depende de nós.

"Ok! O árbitro poderia ter feito melhor, mas há mais no jogo para além desses erros.” “A chuva estragou o campo, mas a verdade é que eles conseguiram resolver esse problema melhor do que nós." Estes devem ser os pensamentos reinantes, buscar as soluções que estão ao nosso alcance e não perder demasiado tempo a pensar: “estou a ser prejudicado”.

A responsabilidade não pode ser do vento, nem da chuva, nem da relva e ainda que o árbitro tenha errado não valerá muito a pena atribuir-lhe a culpa, isso não nos vai fazer melhorar com certeza. "O que depende de mim então?! O que tenho que fazer... o que temos que fazer melhor?" Estas são as questões que se devem colocar e trabalhar a partir daí para que as respostas e as soluções que encontramos (dentro de nós) surjam o mais rápido possível nos jogos para superarmos todas as dificuldades que aparecem. Como se fosse um sistema espontâneo de transcendência, que nos leva a melhorar a cada obstáculo.

Porque dentro de nós há sempre uma solução, para tudo aquilo que nós podemos controlar, para tudo aquilo em que, de forma determinante, podemos interferir. Mesmo quando a bola espirra no tufo da relva... há solução e ela está em mim e na minha equipa! É disto que temos que nos convencer e convencer os miúdos que agora estão a crescer, não se trata de uma verdade balofa existe mesmo solução para estes problemas... isto é um jogo não é uma doença. Agora, quando algo está fora do nosso controlo, então o melhor é voltarmo-nos novamente para o essencial - fazer o melhor que podemos com o que depende de nós - caso contrário a frustração sobe-nos à cabeça e deixamos de jogar/aprender. Por mais que nos custe, a mentalidade certa é perceber o mais rápido possível qual é a minha responsabilidade no que se está a passar. "O que é que, em função dos problemas circunstanciais que estão à nossa frente, podemos fazer?" É fácil? Não não é fácil, fácil é falar, se fosse fácil qualquer um chegava onde tem potencial para chegar e a verdade é que vemos muita gente que se fica pela metade do que poderia. Claramente não é fácil mudar a "mentalidade das desculpas", mas se não tentarmos nunca iremos ter jogadores/equipas que enfrentam o problema desde o assumir da responsabilidade.

Toni Nadal, tio e ex-treinador de Rafael Nadal, afixou nos corredores e balneários da academia do sobrinho a seguinte frase: "Nunca uma desculpa nos fez ganhar uma partida."

É nos momentos em que a solução do problema nos parece mais fácil, ou seja nos momentos em que todo o nosso inconsciente nos empurra para o "abismo da desculpa fácil", que o nosso consciente tem que assumir o comando e dizer, tal como o Maurizio Sarri: "Só quero pensar no nosso desempenho." e acrescentar "Não é só o árbitro ou o treinador ou o jogador ou o vento ou o relvado ou a bola, eu/nós também tenho/temos responsabilidade no que de mal está a acontecer" e a partir daqui é treinar/viver e corrigir o que podemos controlar.


a) Conferência de imprensa (pós-jogo vs Everton) de Sarri ao serviço do Chelsea FC - Premier League 2018/2019
b) Conferência de imprensa (pós-jogo vs Brighton) de Guardiola ao serviço do Manchester City FC – Meia-Final da FA CUP 2018/2019

sexta-feira, 19 de abril de 2019

Analisar o desempenho para o melhorar


Guardiola: "Analisar e perceber o porquê de ganharmos/perdermos... é a única forma de melhorar."

Formar também é formar para a noção do erro. Noção de que o erro é algo natural no processo e que a atitude positiva é melhorar a partir dele. Saber que o erro não é insucesso é sim uma descoberta. E que quem nos convida a reflectir sobre o que se passou de mau no jogo não quer a nossa desgraça, pelo contrário quer ajudar. Aliás isto deveria ser algo aliciante...

Convém aqui distinguir aquilo que são os “erros técnicos” (falhas na concretização, na precisão e fineza do que se faz com a bola) dos erros de relação/entendimento do jogo. Parece-nos que os primeiros qualquer jogador/pessoa os percebe de forma instantânea – há uma percepção imediata no falhar um passe/finalização ou no Guarda-Redes falhar no agarrar a bola ou no perder a bola na tentativa de ultrapassar adversário em condução – já os segundos só são decifráveis quando se domina o jogo desde o ponto de vista das relações entre o "eu" e "toda a restante complexidade do jogo" (colegas, adversários, espaços, bola, etc.). Consideramos que é aqui que está a grande mais valia da análise, ajudar o jogador no sentido deste perceber o porquê de jogarmos de determinada forma e o porquê de em determinado lance as relações que se estabeleceram não terem resultado ou de terem resultado.

Conviver com esta procura constante do que não está bem, e por isso deve ser melhorado, exige sensibilidade por parte do treinador, pois (infelizmente) nem todos lidam com esta introspecção da mesma forma. Alguns não querem saber de análises para nada, já outros querem saber e exigem que se lhes apresente algo ou até eles irão ver o jogo mal cheguem a casa para perceber o que lhes correu mal ou o que correu bem e porquê. Esta vontade de melhorar é o que leva à transcendência diária.

O próximo passo tem que ser este, o de o jogador estar mais preocupado com as relações que estabelece em campo, porque é nas relações que está a maior complexidade. É no domínio da relação com aquilo que me rodeia que ganhamos tempo e espaço para cometer menos "erros técnicos".


a) entrevista exclusiva a Pep Guardiola (Man.City) publicada no canal do youtube Stadium Astro a 18/05/2018

quarta-feira, 17 de abril de 2019

Viver à pressa é viver menos!


Não importa se é o Vinicius, o Quim o Zé ou o Manel. O que queremos é alertar para esta vertigem da pressa em que a nossa sociedade vive imersa. A pressa de chegar, a pressa de alcançar, a pressa de estar pronto, a pressa que rapidamente se transforma em pressão pela expectativa exagerada que se cria. Que não se confunda esta reflexão com o preconceito da idade, nem vale a pena deturpar, porque não se trata de nada parecido com isso.

Podíamos até falar daquilo que o Ajax (ou Barcelona) faz, mas o tema não é bem esse. O Ajax é um caso de um processo transversal a todas a equipas (escalões) do clube e que sobretudo prova o poder da especificidade e como ela favorece o aparecimento do talento e ajuda e muito à sua inclusão em níveis altos sem se dar por isso. A especificidade é esse contexto que dá sentido a determinado jogador e assim sendo deixa de ser apressada a inclusão do jovem para passar a ser uma consequência natural do processo de formação.

Ora em milhares de casos não é isto que se verifica, o que acontece é uma pressão social para que se dê a integração de juventude. Importa por isso perceber que a ambição equilibrada é aquela que gera compromisso diário sem gerar pressa, porque "a pressa é inimiga da perfeição" e quem quer andar a top tem que andar lá perto todos os dias, nos treinos, nos jogos, na mentalidade de quem se implica todo em cada momento útil para o desenvolvimento.

O culto da juventude existiu sempre, desde a procura da formula para o elixir da juventude até ao negócio do futebol que faz emergir a pressa do contracto milionário. Chega-se ao ridículo de se valorizar o trabalho de treinadores só porque deu uns minutinhos a um jovem (17 ou 18 anos) da formação. Isto por si só chega? A formação é muito mais do que dar uma oportunidadezinha isso é só um passo de um longo crescimento que se tem pela frente.

Nunca como hoje se deu tanta oportunidade aos jovens no futebol, nunca como hoje tantos jogadores ganharam tanto dinheiro com o futebol e ainda assim nunca tanto como hoje se exigiu oportunidades para os jovens... à força – é necessário perceber o contexto, que no caso do Ajax leva anos... claro que é possível, mas não se pode ignorar o “aqui e agora” e exigir aposta na formação a clubes que nem pensam sequer em preparar-se para criar uma identidade transversal dentro do clube desde os sub7 até à Equipa A, forçar a inclusão de miúdos da formação que vêm duma especificidade completamente diferente daquilo que é o jogo da Equipa A, é só ridículo. No entanto há muita pressa espalhada por aí neste sentido, muito lamento perdido, precisamente por se ignorar a realidade.

Há algo grave que advém daqui: usa-se muito a desculpa da carreira curta para convencer os jovens jogadores de que se não tiverem a oportunidade agora, ela pode nunca mais surgir. Mas as carreiras nunca foram tão longas e nunca se ganhou tanto dinheiro em tão pouco tempo de carreira (contextualizar com o nível de que estamos a falar).

"Lançar um jovem" exige sensibilidade para o tipo de mentalidade que tem esse jogador (sem correr o risco de o "lançar às feras"), tanto para lidar com o eventual fracasso, como para lidar com o possível triunfo e "elogio fácil" que poderá surgir no pós jogo. "Nasce uma estrela" que não se quer que seja uma "estrela cadente" que só pára no abismo da frustração ou no deslumbramento do estrelato. Lidar com as emoções das primeiras experiências do futebol sénior necessita de uma grande mentalidade e necessita que o crescimento seja alimentado diariamente por essa mentalidade. Raramente surgem jogadores como Rúben Neves, Bernardo Silva ou João Félix que parecem ter sido "adultos" a vida toda, dado a forma como encaram a sua profissão. Não se pode forçar algo que tem que ser conquistado e preparado com naturalidade.

A culpa é de todos os que exigimos, sem perceber que conquistar/manter as coisas tem que dar trabalho e que se trata de um processo de contínua formação e amadurecimento, que está muito para além do que se faz no jogo e tem muito da reação ao que se passa no jogo.

Temos que viver e formar para desfrutar do tempo que temos (que nem é pouco nem é muito, é o que temos), ao invés de fazermos da vida e da formação uma corrida apressada contra o tempo... na ânsia de alcançar nem desfrutamos da viagem, do caminho sem o qual é impossível chegar aos “destinos”. É uma corrida perdida antes de começar, essa contra o tempo, porque o esse arranja sempre uma forma de estar à nossa frente. Acreditem que poucos são os que vivem à frente do tempo. Qual é o problema disso? Nenhum, não há que desesperar por necessitarmos de mais tempo para nos prepararmos, a aprendizagem/desenvolvimento não é uma corrida para ver quem chega primeiro... que se desfrute do tempo, no tentar ser melhor do que já somos.

segunda-feira, 15 de abril de 2019

Competir é superação!


A importância da competição interna (dentro de mim e da equipa) para o desenvolvimento dos jogadores.

O sentir que quem pode ocupar o teu lugar na equipa é tão bom como tu faz-te competir no treino e no jogo, no sentido de dares o melhor de ti... sempre. Aqui o desejo de jogar é tão grande como a necessidade de melhorar para poder concretizar esse desejo.

A necessidade de nos desenvolvermos em função do nível dos que estão ao nosso lado, desde que não seja exclusivamente isso que nos move, é muito importante tendo em conta como funciona o ser humano no geral. Claro que o ideal é aliarmos a isto uma mentalidade que nos permita depender também da nossa vontade de sermos melhores a cada dia sem dependências externas, sem necessitarmos de nos comparar com os outros, mas isto de nos compararmos connosco próprios, e melhorar a partir daí, cansa. Portanto a nossa mente se puder descansar vai-nos puxar para patamares de relaxamento que nos colocam num nível "Suficiente".

Convém referir que, sendo este um tema que temos tratado aqui na página (a questão da importância da mentalidade para o desenvolvimento), há gente que consegue ter esta capacidade, esta paixão/"obsessão" por aprender na busca de serem melhores a cada dia e por isso destacam-se claramente dos demais. Ainda assim também temos que reconhecer o contexto (quem e o que nos rodeia) como catalisador do nosso próprio desenvolvimento. Olhar para os outros no sentido de nos deixarmos inspirar por aquilo que fazem de bom nunca será mau, o problema está quando buscamos nos outros o nível de exigência “suficiente” para nos destacarmos, aí ficaremos sempre aquém do nosso potencial.

Sentir diariamente que uma distracção (pormenor) poderá colocar a minha titularidade (que tanto prezo) em risco, e quando esta perda (da titularidade) é mais do que justa e clara, pela qualidade de quem joga na mesma posição, então não há desculpas que me salvem: "A responsabilidade é mesmo minha, depende de mim mostrar que estou preparado." Nestes casos só se é titular por mérito próprio e não por demérito dos outros - nos casos em que as diferenças de nível são grandes essa necessidade de “fazer por merecer” (mérito) ou nos vem de dentro ou não existe.

Isto contraria toda a lógica de que o mais importante é o dia do jogo, na formação e no desenvolvimento. O treino tem que ser olhado com muito valor, tal como o jogo e se assim for todos os jogadores (miúdos ou graúdos) estarão mais perto de melhorar e de se transcender. Competir internamente no dia a dia é algo que deve estar permanentemente presente. Há uns que competem no limite a cada exercício, isso é o que lhes permite serem "melhores do que ontem", outros competem quando há necessidade para ser melhor do que os da mesma posição.

É importante formar para depender mais do espírito competitivo, tendo como objectivo melhorar a cada dia e ao mesmo tempo permitirmos que os jogadores tenham a seu lado gente que lhes "morda os calcanhares". O “suficiente” não chega para quem se quer superar a cada dia e competir é o oposto de rebaixar os outros para sobressair, e esta confusão é o que leva muita gente a dizer que a competição é um mal maior da sociedade contemporânea. Não é a competição que é um mau princípio, o que está mal é o querer aniquilar a competição (quem nos rodeia) sem competir, não deixando espaço para nos inspirarmos pelo bom que os outros fazem.

Não há maiores referências do que a nossa própria transcendência e a qualidade daqueles que convivem connosco diariamente.


a) Conferência de imprensa (pré-jogo) de Guardiola ao serviço do Manchester City FC - Premier League 2018/2019

sexta-feira, 12 de abril de 2019

Cérebro/mente e corpo juntos no processo de desenvolvimento


Mourinho refere-se ao processo de desenvolvimento de um jogador (Anthony Martial), dentro de uma determinada lógica que implica tudo o que o rodeia, e portanto implica aquilo que terá que fazer para estar em sintonia com tudo e todos. Isto necessariamente envolve o corpo todo, algo que não existe sem a inclusão do cérebro.

Um estilo de jogo, uma ideia de jogo se preferirem, parte sempre da forma como o treinador entende o mesmo, parte também daquilo que o treinador vê nos seus jogadores (desde a sua perspectiva) e a forma como harmoniza as características deles com a sua ideia manifesta-se na forma como a equipa joga.

Com o crescimento da "informação" produzida nas redes sociais e jornais à volta do Futebol parece haver uma atracção (cada vez mais) impulsiva na procura dos “culpados do insucesso”, ou melhor dizendo, do culpado, porque isto das culpas convém ficarem numa só pessoa e como é "óbvio" o treinador "está lá para isso" (não concordamos nada com esta abordagem de se “crucificar” um jogador ou o treinador na derrota ou num momento menos bom). Já quando se triunfa inclui-se toda a gente e há sempre espaço para mais um... na “fotografia do sucesso". Mourinho lá esclarece o que lhe parece mais justo – 50/50. Isto não invalida que a grande preocupação seja sempre a melhoria dos seus jogadores e da sua equipa, bem pelo contrário, isso será sempre o mais importante, mas é no trabalho/responsabilização de todos que se gera esse crescimento.

Ora, qualquer processo de desenvolvimento de um jogador está sempre condicionado (não confundir com limitado) pela equipa (treinador e companheiros), e por isso tem que haver um ajuste à mentalidade da equipa, àquilo que o treinador pretende para aquela posição tendo a equipa onde está, bem como às relações com os restantes jogadores, no caso do Martial demorou algum tempo até se ver aquilo que se viu nos últimos jogos de Mourinho no Manchester United. Nesse período, foi um jogador que criava oportunidades, que não perdia a bola com facilidade, um jogador que se notava muito mais ágil (do que antes) com bola, que defendia sem aquele sentimento de estar a fazer um frete (fazia isso por si e pelos outros), que percebia os momentos em que devia passar enquanto o colega tinha vantagem ou quando devia procurar aproveitar a vantagem do 1v1 (na ausência de coberturas por parte do defesa).

Importa referir que também o Mourinho valoriza e muito o cérebro nestes processos de adaptação, mas sem nunca o desligar do corpo fazendo referência a ambos, pois cérebro e corpo são um só e tal como o Mourinho sempre defendeu não se podem separar, e é no processo de simbiose ambos que se gera desenvolvimento e a aprendizagem. Porque o cérebro precisa que o corpo se mexa para pensar e o corpo precisa que o cérebro pense para se mexer. Quando um pensa sem que o outro se mexa e um se mexe sem que o outro pense deixa de haver jogo e deixa de haver fluidez, antecipação, timing correcto, etc.. Aí ou há uma "intensidade" (aquela linear que se refere só ao físico) sem sentido ou há uma intenção que não se concretiza, que fica presa num corpo perro e tolhido.

É na ligação harmoniosa entre mente e corpo que está o crescimento e por isso ambos têm que estar implicados em simultâneo para a criação de uma forma de jogar. É isto o essencial.


a) Conferência de imprensa de José Mourinho ao serviço do Manchester United – Premier League 2018/2019

segunda-feira, 8 de abril de 2019

Guardiola: "O jogador por si só não é nada no Futebol"


Guardiola sobre o jogador e o facto de ele estar inserido numa rede de conexões (uma equipa).

O Futebol é transcendência humana. O Futebol é a valorização do ser humano enquanto ser social.

Entender o jogo terá duas facetas igualmente importantes para que o jogador e a equipa possam fluir: uma será penetrar naquilo que é a individualidade, procurar conhecer-se a si próprio e saber auto-gerir-se, a outra passa por cada jogador perceber como se deve associar com os que o rodeiam – conhecer os outros. Só desta forma sobressai o brilhantismo do pormenor individual, só assim haverá potencial para o surgir do "rasgo de genialidade", sempre como consequência da associação colectiva. Assim deveria ser na sociedade e assim tem que ser no Futebol.

A influência das metodologias/tecnologias aplicadas aos desportos individuais tem assaltado o Futebol desde que se começou a competir e a treinar. A obsessão pela análise (quantitativa) da performance individual, de forma isolada, está presente no dia a dia de quem treina/joga. Apregoamos que a "união faz a força", que "juntos somos mais fortes", que "o todo é mais do que a soma das partes", mas na hora de melhorar o jogador isolamo-lo constantemente, como se a melhoria de cada jogador fosse incompatível com o treino colectivo, no sentido de perceber melhor como estabelecer ligações com os meus companheiros e como resolver os problemas que surgem no jogo de acordo com uma lógica comum.

Nós diríamos que a grande melhoria individual está na melhoria do entendimento daquilo que me rodeia, no timing da relação com os demais, na eleição dos espaços a pisar a cada segundo, na forma como me oriento no campo em função dos outros (meus ou deles), da bola e da baliza, naquilo que consigo alcançar em termos de informação e na capacidade de distinguir as prioridades a cada momento. Estas coisas são de tal forma complexas que a sua aprendizagem acontece muito mais de forma inconsciente na exposição a "jogos complexos" (não nos referimos exclusivamente a “jogo formal”) com frequência, ainda que a reflexão consciente na busca de entendimento do jogo seja também importante. É necessário "reduzir sem empobrecer" (Vítor Frade), para não perda do essencial, e o essencial é aprender a jogar (com noção de tudo o que isso implica).

Este "reduzir" existe no sentido de melhorar relações e detalhes individuais, no sentido de melhorar o todo/a equipa, "sem empobrecer" pois tem que ser em função do contexto de jogo/da equipa em que estamos inseridos (com os meus colegas e a ideia do treinador), treinar sem algo que me ligue a esses referenciais é artificial e fará com que jogue um jogo só meu, desligado do que me rodeia, com lapsos na forma como me movimento, pois serei incapaz de o fazer em função dos outros.

Claro que isto requer tempo até que os outros façam parte daquilo que eu sou no jogo. No fundo trata-se de, sabendo quem somos, perceber o que podemos dar e receber dos que estão connosco.

"Eu, sou eu e a minha circunstância" José Ortega y Gasset


a) entrevista exclusiva a Pep Guardiola (Man.City) publicada no canal do youtube Stadium Astro a 18/05/2018

sexta-feira, 5 de abril de 2019

Thierry Henry: "Deixem-me estar no relvado"


A (não) Relação de Thierry Henry com o Ginásio

O Ginásio como complemento agrada a muitos, e não raras vezes é mal visto o jogador que não o faz. Porque quem não faz é olhado como aquele que é pouco esforçado. Mas então o treino, onde a equipa busca entrosamento e crescer junta ligada pelo jogo, não requer esforço e dedicação? Tem que se deixar de achar que há correspondência directa entre o esforço/tempo que se passa no ginásio e o compromisso profissional e a vontade de melhorar. Ainda que haja clubes, equipas, jogadores que valorizem todo o trabalho no ginásio (há e são muitos), nunca isso deve ser entendido como o essencial ou o único caminho para se alcançar um rendimento superior.

A verdade é que há casos de jogadores que não fazem ou que vão lá o mínimo possível. A força (para jogar), a velocidade (para jogar), a potência (para jogar) ou a proprioceptividade (para jogar) adquirem-se em contexto de "ginásio"?

Dirão que “ginásio” não é só levantar pesos. Sabemos disso. Será que não haverão formas específicas (relacionadas com o jogar da equipa) de envolver a proprioceptividade (por exemplo) naquilo que é a semana de treinos? Um morfociclo que respeite a recuperação e preparação do corpo em função dum estilo. Exercícios que promovam uma "estabilidade" estrutural (como a das pontes anti-sísmicas – analogia) na dinâmica do movimento, mas que ao mesmo tempo preparem os jogadores e a equipa para o jogo que o treinador pretende e para as dificuldades que se vão encontrar no Domingo (por vezes até o estado do relvado) e recuperar do que foram os impactos do jogo anterior.

Por exemplo, tendo em conta o estado lastimável de tantos relvados, se o sensores musculares não estiverem absolutamente despertos (sensíveis) para a imprevisibilidade dada pela instabilidade do terreno que se pisa, então o risco de lesão e o risco de cometer erros "técnicos" é muito maior. Para isto é necessário estar fresco (corpo cansado perde sensibilidade, até quando o relvado é bom, claro) e ao mesmo tempo há que ter uma grande capacidade de conviver na irregularidade do piso (e na incerteza do próprio jogo) onde corremos, saltamos e jogamos e tudo isto com os pés como primeira parte corporal de contacto (com a bola e terreno de jogo), muitas vezes um pé para o solo e outro para a bola. Como é óbvio, o desgaste (corpo/mente) é muito maior nestas condições e recuperar pode levar mais tempo. Acreditamos também que, se estivéssemos sujeitos a pisos irregulares mais vezes e, essencialmente, desde tenra idade, provavelmente o nosso corpo estaria melhor preparado para enfrentar essa dificuldade sem um risco tão grande de lesão e recuperaria até mais rápido pelo hábito de jogar nessas condições. A proprioceptividade estaria muito mais desenvolvida e teria crescido num contexto específico e não no ginásio. Não é fácil convencer jogadores e dirigentes de clubes que treinar em pisos maus pode ser até benéfico (de forma equilibrada) para a sua preparação. Também é verdade que noutros casos não há outra opção senão treinar em "relvados sem relva".

Portanto, parece haver formas diferentes de promover a proprioceptividade sendo mais específico. É importante perceber como o corpo reage às mudanças de piso e à necessidade de as articulações se ajustarem de forma diferente em função do contacto do(s) pé(s) com o solo. Há ainda que salvaguardar a exposição constante da nossa proprioceptividade a ajustamentos profundos e inesperados com uma recuperação condizente e específica. Pois isto, de forma regular, tem repercussões estruturais, e se não houver cuidado, para preparar e recuperar, poderão originar lesões.

Permitam-nos um aparte: acabar de vez com os pelados na formação fará sentido? Queremos tanto proteger as crianças do pó, dos joelhos esmurrados e dos passes/remates falhados que acabamos por não os proteger do essencial... da falta de preparação.

Quanto ao Henry... preferia melhorar-se ficando mais tempo no campo, claro que isto também requer cuidado, mas a paixão pelo jogo e pela melhoria do mesmo merece tudo… quando a paixão pelo ginásio é maior do que a paixão pelo jogo e pelas “intensas brincadeiras” com bola, antes e depois do treino, parece-nos bem mais preocupante do que aqueles que evitam o ginásio quando não tem que ser.

"Deixem-me estar no relvado!" Thierry Henry

p.s. ver posts anteriores relacionados com este tema:



“Carlos Carvalhal: ‘O jogador não é uma máquina individual.’ ”


a) Conversa entre Gary Neville e Henry (como convidado) no programa Soccerbox (Agosto de 2018)

quarta-feira, 3 de abril de 2019

Carlos Carvalhal: "O jogador não é uma máquina individual."


Carlos Carvalhal a falar de algo que está em crescendo no futebol actual: a contratação de um PT por parte do jogador.

No seguimento de posts anteriores:



Rui Faria disse algo que em tudo se relaciona com as palavras de Carlos Carvalhal, numa entrevista para o “The Times”, a 29 de Setembro de 2018:

"Hoje em dia há uma vontade muito grande em mostrar no Instagram ou no Twitter vídeos de jogadores a trabalhar em casa com um Personal Trainer. Isto é a pior coisa que pode acontecer em Alta Competição. Tu tens um programa no clube, gente que gere a tua saúde e de repente vais para casa e dizes a alguém que queres ficar mais forte. OK, ele deixa-te mais forte, mas não tem em consideração o que está a ser feito no clube ou a fadiga do jogador e isso é mau para ti. É uma doença moderna."

Para além deste “treino” não estar em sintonia com aquilo que o treinador faz no Treino, com a ideia de jogo, com a agilidade necessária para jogar o jogo (tudo isto é específico), etc., há ainda um acréscimo grande no risco de lesão, algo que prejudica gravemente o jogador e a equipa. E isto acontece precisamente por ser um trabalho desligado daquilo que se passa no Treino, não respeitando a lógica metodológica do treinador.

Muitas vezes já se tenta amenizar/controlar aquilo que os jogadores fazem (fora do treino), dando-lhes a possibilidade de fazer algo dentro do clube, estando vigiados/orientados por gente conhecedora dos princípios de esforço/recuperação pelos quais se rege a metodologia do treino. Porque os jogadores têm os seus hábitos e crenças que têm que ser respeitadas, é muito fácil um jogador convencer-se de que é determinante, para aguentar o ritmo do jogo e os duelos com contacto, recorrer a treino “extra” seja ele “cardio” ou de força num ginásio. Mas se assim é e eles não querem abdicar disso de maneira nenhuma é importante tentar (pelo menos) orientá-los para que não se chegue ao ponto de se tornar danoso. Fazer "qualquer coisinha" será irrelevante e não irá interferir naquilo que é a forma como a equipa joga ou nas características do corpo e da “ginga” do jogador, que necessita de uma grande fluidez corporal para enganar, mudar de direcção, travar e acelerar, com imprevisibilidade e num contexto também ele cheio de momentos imprevisíveis, onde o cérebro tem que estar implicado e não num "ambiente isolado", com pesos ou sem, onde tudo é artificial e descontextualizado, gerando fadiga sem uma aquisição útil e que pode até ser prejudicial.

A “carga” tem que ter transferência, ou seja tem que ser específica - treinar duelos (contacto) e perceber o timing certo para desequilibrar alguém com mais massa corporal do que eu, implicar a força no momento certo quando ele não está estável, porque não treinar isso? Será que a única forma de resolver esse “problema” é aumentar a minha massa muscular? Temos que começar a olhar para o treino (no campo) como algo que tem “cargas” específicas, onde a força específica está relacionada com o jogo que a equipa joga e é a necessária para que um jogador evite ou não se deixe desequilibrar no choque, para que assim possa dar seguimento à bola ou ser mais efectivo no momento de importunar defensivamente o adversário que tem a bola.

Os jogadores não são máquinas e no futebol também não devem ser olhados como partes isoladas. Eles (jogadores), são eles e as relações que estabelecem com outros dentro do jogo.


a) Carlos Carvalhal em entrevista para a BBC Radio 5, 18/Outubro/2018

segunda-feira, 1 de abril de 2019

A singularidade do corpo, do jogador e da equipa


Dá-nos a sensação de que os corpos dos jogadores de futebol são cada vez mais idênticos entre si (à excepção dos excepcionais), e até entre praticantes de diferentes desportos o corpo parece caminhar no sentido da uniformização.

Não se deveria perder a especificidade corporal, e para isso é preciso respeitar as diferentes agilidades e graus de liberdade necessários para cada desporto e até (dentro do futebol) para cada estilo de jogo. Ou seja, haverá uma agilidade Específica para praticar determinado desporto, no Futebol, para dar exemplo, a bola é manipulada, maioritariamente, pelas mesmas "ferramentas" que nos permitem a locomoção e isto tem que ser levado muito em conta na hora de recuperar, evitando visões como: “os jogadores de futebol são dos desportistas que menos treinam”. Isto é uma clara falta de noção da especificidade da modalidade desportiva em si e do que implica suportar um corpo em cima do que permite colocar uma bola com precisão onde e como se quer. Sobrecarregar e/ou cansar em demasia as estruturas que permitem a precisão do controlo da bola não só aumenta a probabilidade de lesões dada e imprevisibilidade desse controlo, como também gera perda de fluidez corporal que conduz a mais falhas técnicas. Além das particularidades da modalidade há também a especificidade da forma como ela é praticada ou seja como o jogo é jogado (estilo do jogador e da equipa), algo que deve ter em conta a singularidade de cada corpo e a forma de jogar da equipa.

O corpo é fruto de experiências, de acções que começam desde que nascemos (antes até). Geram-se mecanismos musculo-esqueléticos desde que nos começamos a mexer. A própria estrutura e a nossa agilidade são moldadas nas actividades que temos, processo que atravessa a nossa infância, onde a plasticidade é maior. No dia em que mudarmos aquilo que é o tipo de actividade que temos (ou que dermos maior importância/dedicarmos maior parte do treino a fazer algo que não fazíamos), também o nosso corpo mudará ou, caso a plasticidade não permita mudar, poderá "quebrar" (metaforicamente falando) e aí poderemos ter problemas.

A mecânica do movimento e do corpo está de tal forma normalizada que cresce uma certa “uniformopatia corporal”, onde se desenvolveu um vício pela correcção dos chamados “desvios/desequilíbrios” musculares, não digo que em alguns casos não haja necessidade de intervenção, a questão é que neste momento há muita gente que olha para o corpo e em busca das suas “imperfeições” e isto é feito na comparação entre o jogador e um “Modelo Anatómico” e/ou “Modelo Mecânico de Movimento”. Qualquer diferença é para ser corrigida mecanicamente de forma a aproximar a natureza singular do corpo de cada um, numa espécie de robotização muscular. O que seria do Quaresma se fosse um miúdo de 12/13 anos hoje? Com os pés metidos para dentro? Estaria já a tentar corrigir esse “problema”? Muitas vezes subestimamos a diversidade e capacidade que o corpo tem de se “compensar estruturalmente” a si próprio.

O corpo/o jogador são singulares, assim como é cada equipa, esta é a natureza animal e nós Humanos não fugimos a essa regra, é como se fossemos fabricados à mão – únicos e irrepetíveis – portanto não nos tratemos como se fossemos produtos de uma qualquer produção em série, sujeitos a máquinas e movimentos estereotipados/mecanizados com base em estudos que pretendem uniformizar o movimento e o corpo.

Não queremos mudar ninguém, fazemos estas reflexões, porque a nós nos ajudam a sistematizar ideias e eventualmente encontraremos aqui gente que se identifique connosco ou gente que não concordando poderá gostar de confrontar ideias, poderemos até despertar para a reflexão de quem venha até aqui para ler sobre o que nós pensamos sobre o jogo, o treino, a mentalidade dos jogadores e a sociedade (onde o futebol está inserido). Ver "Da Intenção" onde explicamos o intuito da nossa página e aquilo que nos levou a criá-la.

Nota de agradecimento: Tudo o que escrevemos e apresentamos nesta página sentimos como nosso, porque o entendemos e acreditamos ser o caminho para ajudar o futebol e o jogador a crescer. Mas neste caso temos que agradecer à fonte de toda esta reflexão, ao Prof. Vítor Frade. Porque a gratidão nunca é demais para quem tanto contribuiu para a aprendizagem e “insatisfação” diárias.