sexta-feira, 5 de abril de 2019

Thierry Henry: "Deixem-me estar no relvado"


A (não) Relação de Thierry Henry com o Ginásio

O Ginásio como complemento agrada a muitos, e não raras vezes é mal visto o jogador que não o faz. Porque quem não faz é olhado como aquele que é pouco esforçado. Mas então o treino, onde a equipa busca entrosamento e crescer junta ligada pelo jogo, não requer esforço e dedicação? Tem que se deixar de achar que há correspondência directa entre o esforço/tempo que se passa no ginásio e o compromisso profissional e a vontade de melhorar. Ainda que haja clubes, equipas, jogadores que valorizem todo o trabalho no ginásio (há e são muitos), nunca isso deve ser entendido como o essencial ou o único caminho para se alcançar um rendimento superior.

A verdade é que há casos de jogadores que não fazem ou que vão lá o mínimo possível. A força (para jogar), a velocidade (para jogar), a potência (para jogar) ou a proprioceptividade (para jogar) adquirem-se em contexto de "ginásio"?

Dirão que “ginásio” não é só levantar pesos. Sabemos disso. Será que não haverão formas específicas (relacionadas com o jogar da equipa) de envolver a proprioceptividade (por exemplo) naquilo que é a semana de treinos? Um morfociclo que respeite a recuperação e preparação do corpo em função dum estilo. Exercícios que promovam uma "estabilidade" estrutural (como a das pontes anti-sísmicas – analogia) na dinâmica do movimento, mas que ao mesmo tempo preparem os jogadores e a equipa para o jogo que o treinador pretende e para as dificuldades que se vão encontrar no Domingo (por vezes até o estado do relvado) e recuperar do que foram os impactos do jogo anterior.

Por exemplo, tendo em conta o estado lastimável de tantos relvados, se o sensores musculares não estiverem absolutamente despertos (sensíveis) para a imprevisibilidade dada pela instabilidade do terreno que se pisa, então o risco de lesão e o risco de cometer erros "técnicos" é muito maior. Para isto é necessário estar fresco (corpo cansado perde sensibilidade, até quando o relvado é bom, claro) e ao mesmo tempo há que ter uma grande capacidade de conviver na irregularidade do piso (e na incerteza do próprio jogo) onde corremos, saltamos e jogamos e tudo isto com os pés como primeira parte corporal de contacto (com a bola e terreno de jogo), muitas vezes um pé para o solo e outro para a bola. Como é óbvio, o desgaste (corpo/mente) é muito maior nestas condições e recuperar pode levar mais tempo. Acreditamos também que, se estivéssemos sujeitos a pisos irregulares mais vezes e, essencialmente, desde tenra idade, provavelmente o nosso corpo estaria melhor preparado para enfrentar essa dificuldade sem um risco tão grande de lesão e recuperaria até mais rápido pelo hábito de jogar nessas condições. A proprioceptividade estaria muito mais desenvolvida e teria crescido num contexto específico e não no ginásio. Não é fácil convencer jogadores e dirigentes de clubes que treinar em pisos maus pode ser até benéfico (de forma equilibrada) para a sua preparação. Também é verdade que noutros casos não há outra opção senão treinar em "relvados sem relva".

Portanto, parece haver formas diferentes de promover a proprioceptividade sendo mais específico. É importante perceber como o corpo reage às mudanças de piso e à necessidade de as articulações se ajustarem de forma diferente em função do contacto do(s) pé(s) com o solo. Há ainda que salvaguardar a exposição constante da nossa proprioceptividade a ajustamentos profundos e inesperados com uma recuperação condizente e específica. Pois isto, de forma regular, tem repercussões estruturais, e se não houver cuidado, para preparar e recuperar, poderão originar lesões.

Permitam-nos um aparte: acabar de vez com os pelados na formação fará sentido? Queremos tanto proteger as crianças do pó, dos joelhos esmurrados e dos passes/remates falhados que acabamos por não os proteger do essencial... da falta de preparação.

Quanto ao Henry... preferia melhorar-se ficando mais tempo no campo, claro que isto também requer cuidado, mas a paixão pelo jogo e pela melhoria do mesmo merece tudo… quando a paixão pelo ginásio é maior do que a paixão pelo jogo e pelas “intensas brincadeiras” com bola, antes e depois do treino, parece-nos bem mais preocupante do que aqueles que evitam o ginásio quando não tem que ser.

"Deixem-me estar no relvado!" Thierry Henry

p.s. ver posts anteriores relacionados com este tema:



“Carlos Carvalhal: ‘O jogador não é uma máquina individual.’ ”


a) Conversa entre Gary Neville e Henry (como convidado) no programa Soccerbox (Agosto de 2018)

Sem comentários:

Enviar um comentário